O Pastor do Brasil


Quando pensávamos estar este País começando a civilizar-se como Estado laico e pleno de liberdade para todos os credos e ideologias, aí está esse arranjo medieval pelo qual poderemos pagar um preço elevado.
Feliciano, deputado ou pastor?
Rodrigues Pozzebom/ABr/Tribuna do Norte
Forma-se neste momento a cadeia nacional de rádio e televisão para transmitir a palavra do excelentíssimo senhor, o Pastor do Brasil, presidente Adriel Cefas.
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O Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas, as Câmaras de Vereadores e as funções executivas não são lugares para a ação de pastores, nem de bispos, nem de padres, nem de apóstolos. Todos eles podem entrar nesses ambientes na condição de cidadãos, de eleitores, deputados, senadores e até presidentes, mas não podem aí entrar, com estes títulos, na condição de representantes do povo. 

Uma enorme confusão vem se armando há tempos, mas foi nos últimos dias que a Constituição foi publicamente esquecida e vilipendiada, com a mídia sonorizando expressões como “o pastor Fulano, do PSC...”, “o pastor tal, presidente da comissão...”, etc. Em alguns momentos parece que deputados e senadores vão deixando a sua principal função, que é política, para assumirem a condição religiosa, mistura esta proibida pela Constituição Brasileira. 

Indivíduos que se apresentam não como representantes do povo, mas de determinados grupos específicos, chegando a misturar os discursos entre o ambiente político e o ambiente religioso, como fez o pastor, aliás, deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Segundo leio na imprensa, antes de começar um culto na cidade mineira de Passos, Feliciano disse que queria explicar o motivo das manifestações contra ele. "Essa manifestação toda se dá porque pela primeira vez na história deste Brasil um pastor cheio de Espírito Santo conquistou espaço que até ontem era dominado por Satanás". 

Quer dizer, os políticos que antes ocuparam a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal foram capetas, só agora chega o espírito santo. Como amplamente noticiado, as manifestações contra Feliciano não se devem à sua condição religiosa, mas às suas declarações racistas e homofóbicas, que assumem particular gravidade quando na boca do presidente de uma comissão de direitos humanos. 

No passado histórico, quando a Igreja Católica era a religião oficial do Estado, e mesmo depois, o ambiente político foi fartamente ocupado por membros do clero que, deixando de lado seu mister específico, mais macularam do que engrandeceram a vida política, salvo as raras exceções. Num passado ainda mais recuado foi eternamente pior, pois milhares e milhares de homens e mulheres foram levados à fogueira, condenados pela mistura do poder político e religioso da "santa“ inquisição. Se esse fenômeno que se verifica hoje no Congresso Nacional se espraiar, não só pela ação de pastores e bispos, mas também pela omissão e pelo oportunismo de forças políticas que se apresentam como democráticas, a ação dos religiosos do passado terá sido coisa de somenos importância. 

O fanatismo religioso de hoje tem elementos tão ou mais profundos e perigosos quanto os do passado. O mínimo que acontecerá será o que está dito na entrada desta postagem, quando o Pastor do Brasil poderá se dirigir à Nação, mas qual nação? A crente, a descrente, a oportunista? Ele se dirigirá aos brasileiros ou ao seu rebanho, estando os demais sob suspeita, dignos de uma figueira contemporânea? 

Esse risco de retorno ao passado está menos nas palavras do pastor-deputado Feliciano do que no oportunismo das elites políticas e de seguidos governos, notadamente de FHC para cá, todos os presidente e suas troupes cortejam pastores e bispos de igrejas improvisadas, ávidas de poder, na busca do chamado “voto evangélico”. 

Quando pensávamos estar este País começando a civilizar-se como Estado laico e pleno de liberdade para todos os credos e ideologias, aí está esse arranjo medieval pelo qual poderemos pagar um preço elevado.

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