Dom Casaldáliga: marcado para morrer
Ameaçado de morte por ruralistas, o bispo emérito Dom
Pedro Casaldáliga, de 84 anos, foi forçado nesta semana a deixar a casa
em que residia
na cidade de São Félix do Araguaia, a 1.159 quilômetros de Cuiabá (MT).
Um dos
maiores representantes da Teologia da Libertação e um ativo defensor das
comunidades indígenas, ele passou a sofrer ameaças diretas após a
decisão da
Justiça da retirada dos grileiros das terras dos índios Xavantes, que
deve começar
a ser efetuada a partir desta segunda-feira, dia 10.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um grupo
de jagunços anunciou abertamente que Dom Casaldáliga “era o problema” da
tensa
região e que “faria uma visita para ele”. A própria Polícia Federal
recomendou
a imediata retirada do religioso da cidade devido à vulnerabilidade da
humilde residência
em que ele vivia há muitos anos. A PF alegou temer por sua segurança, já
que a
casa nem sequer possui muros e o bispo emérito com a sua saúde
debilitada, em
decorrência de sofrer do “mal de Parkinson”.
Segundo revelou hoje o G1, “Casaldáliga e mais um
padre deixaram São Félix do Araguaia na madrugada da última sexta-feira
(7),
por volta das 5h, escoltados por um policial federal. O agente fez a
segurança
dos religiosos até o aeroporto da cidade. Em um voo fretado, eles
seguiram até
Brasília. No Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, os dois
religiosos
foram recebidos por outra equipe da PF que não informou ao G1 se os
religiosos
permaneceram na capital federal ou se seguiram para outra localidade”.
Dom Pedro Casaldáliga ganhou projeção mundial por sua
corajosa resistência à ditadura militar. Ele sempre esteve ligado às
lutas das
camadas mais carentes da sociedade. Com a guinada conservadora no
Vaticano a
partir dos anos 1990, o bispo emérito sofreu forte pressão da cúpula da
Igreja
Católica. Em 2005, ele se aposentou, mas continuou residindo em São
Félix do
Araguaia e participando dos bons combates na região. Dedicava-se,
especialmente, à defesa das comunidades indígenas, perseguidas pelos
latifundiários.
As ameaças contra ele ficaram ainda mais explícitas a
partir da decisão da Justiça sobre a Terra Indígena Marãiwatsédé.
Segundo a
Fundação Nacional do Índio (Funai), a reserva foi homologada por decreto
presidencial em 1998 e reconhecida por sucessivas decisões judiciais,
legitimando
o direito constitucional do povo xavante de voltar a viver em seu local
originário. Para fazer cumprir a decisão, homens do Exército das
policias
Federal e Rodoviária estão na comunidade de Posto da Mata. O clima é
tenso na
região.
Reproduzo abaixo nota de solidariedade de várias
instituições ao corajoso bispo Dom Pedro Casaldáliga:
Ao se aproximar a desintrusão da Terra Indígena
Marãiwatsèdè, após mais de 20 anos de invasão, quando os não-indígenas
estão
para ser retirados desta área, multiplicam-se as manifestações de
fazendeiros,
políticos e dos próprios meios de comunicação contra a ação da justiça.
Neste momento de desespero, uma das pessoas mais visadas
pelos invasores e pelos que os defendem é Dom Pedro Casaldáliga, bispo
emérito
de São Félix do Araguaia, a quem estão querendo, irresponsável e
inescrupulosamente, imputar a responsabilidade pela demarcação da área
Xavante
nas terras do Posto da Mata.
As entidades que assinam esta nota querem externar sua mais
irrestrita solidariedade a Dom Pedro. Desde o momento em que pisou este
chão do
Araguaia e mais precisamente, desde a hora em que foi sagrado bispo da
Prelazia
de São Félix do Araguaia, sua ação sempre se pautou na defesa dos
interesses
dos mais pobres, os povos indígenas, os posseiros e os peões. Todos
sabem que
Dom Pedro e a Prelazia sempre deram apoio a todas as ocupações de terra
pelos
posseiros e sem terra e como estas ocupações foram o suporte que
possibilitou a
criação da maior parte dos municípios da região.
Em relação à terra indígena Marãiwatsèdè, dos Xavante, os
primeiros moradores da região nas décadas de 1930, 40 e 50 são
testemunhas da
presença dos indígenas na região e como eles perambulavam por toda ela.
Foi com a chegada das empresas agropecuárias, na década de 1960, com
apoio do
governo militar, que a Suiá Missu se estabeleceu nas proximidades de uma
das
aldeias e até mesmo conseguiu o apoio do Serviço de Proteção ao Indio
para se ver livre da presença dos indígenas. A imprensa nacional
noticiou
a retirada de 289 xavante da região os quais foram transportados em
aviões da
FAB, em 1966, para a aldeia de São Marcos, no município de Barra do
Garças.
Em 1992, a AGIP, empresa italiana que tinha comprado a Suiá
Missu das mãos da família Ometto, quis se desfazer destas terras. Por
ocasião
da ECO-92, sob pressão inclusive internacional, a empresa destinou
165.000
hectares para os Xavante que, durante todo este tempo, sonhavam em
voltar à
terra de onde tinham sido arrancados. Imediatamente fazendeiros e
políticos da região fizeram uma grande campanha para ocupar a área que
fora
reservada aos Xavante, precisamente para impedir que os mesmos
retornassem. Já
no dia 20 de junho de 1992, algumas áreas tinham sido ocupadas e foi
feita uma
reunião no Posto da Mata, da qual participaram políticos de São Félix do
Araguaia e de Alto Boa Vista e também havia repórteres.
A reunião foi toda gravada. As falas deixam mais do que
claro que a invasão da área era exatamente para impedir a volta dos
Xavante. “Se a população achou por bem tomar conta dessa terra em vez de
dá-la para os índios, nós temos que dar esse respaldo para o povo” (José
Antônio de Almeida – Bau, prefeito de São Félix do Araguaia). “A
finalidade dessa reunião é tentarmos organizar mais os posseiros que
estão
dentro da área… Se for colocar índio no seu habitat natural, tem que
mandar
índio lá para Jacareacanga, ou Amazonas, ou Pará…” (Osmar Kalil – Mazim,
candidato a prefeito do Alto Boa Vista). “Nós ajudamos até todos os
posseiros daqui serem localizados… Chegou a um ponto, ou nós ou eles (os
Xavante) porque nós temos o direito… Dizer que aqui tem muito índio?
Aqueles que estão preocupados com os índios que tem que assentar. Tem um
monte
de país que não tem índio. Pode levar a metade… Na Itália tem índio?
Não, não
tem! Leva! Leva pra lá! Carrega pra lá! Agora, não vem jogar em nós,
não… (
Filemon Costa Limoeiro, à época funcionário do Fórum de São Félix do
Araguaia)
A área reservada aos Xavante foi toda ocupada por
fazendeiros, políticos e comerciantes. Muitos pequenos foram
incentivados e
apoiados a ocupar algumas pequenas áreas para dar cobertura aos grandes.
O
governo da República, porém estava agindo e logo, em 1993, declarou a
área como Terra Indígena que foi demarcada e, em 1998 homologada pelo
presidente FHC. Só agora é que a justiça está reconhecendo de maneira
definitiva o direito maior dos índios. O que D. Pedro sempre pediu, em
relação a esta terra, foi que os pequenos que entraram enganados, fossem
assentados em outras terras da Reformas Agrária. Mas o que se vê é que,
ontem
como hoje, os pequenos continuam sendo massa de manobra nas mãos dos
grandes e
dos políticos na tentativa de não se garantir aos povos indígenas um
direito
que lhes é reconhecido pela Constituição Brasileira.
Mais uma vez, queremos manifestar nossa solidariedade a Dom
Pedro e denunciar mais esta mentira de parte daqueles que tentam
eximir-se da
sua responsabilidade sobre a situação de sofrimento, tensão e ameaça de
violência que eles mesmos criaram, jogando esta responsabilidade sobre
os
ombros de nosso bispo emérito.
5 de dezembro de 2012
- Conselho Indigenista Missionário – CIMI – Brasilia
- Comissão Pastoral da Terra – CPT – Goiânia
- Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do
Araguaia – São Félix do Araguaia
- Associação de Educação e Assistência Social Nossa Senhora da
Assunção – ANSA – São Félix do Araguaia
- Instituto Humana Raça Fêmina – Inhurafe – São Félix do
Araguaia
- Associação Terra Viva – Porto Alegre do Norte
- Associação Alvorada – Vila Rica
- Associação de Artesanato Arte Nossa – São Félix do Araguaia
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