Noticiário policial ou criminal? Mero jogo de palavras?

Há repórteres que se tornam amigos de delegados, investigadores e outros policiais, desenvolvendo relações sociais que, em muito, extrapolam o mero contato profissional. A ninguém é proibido fazer amizades, mas a questão é que, neste caso, a amizade entre o repórter e o policial tende a levar à promiscuidade e à mútua interferência nas tarefas específicas de cada um, tarefas distintas.
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Embora com certo atraso, pego aqui a deixa do Jota Ninos sobre um certo jeito camaleônico que nós, jornalistas, mas sobretudo os colegas repórteres que cobrem setorialmente os assuntos policiais e criminais, quando assumem o jargão próprio da categoria dos policiais, como viatura, veio a óbito, o meliante, o elemento, o bandido, etc.

Não quero aqui dar lições a ninguém, especialmente aos colegas que há décadas labutam na cobertura desses assuntos e cujo trabalho nos é útil pelas informações que nos trazem. Porém, isso não impede que discutamos publicamente o nosso trabalho, afinal, nós desenvolvemos as nossas tarefas diárias em público e com vistas ao público.

Conivência
O que pretendo dizer com os termos “noticiário policial” é isto: o que vemos nos jornais e sobretudo na TV e nas rádios é isso mesmo, um noticiário conivente com a instituição policial e com pessoas que lá dentro trabalham. Essa conivência vem do fato de que, quase sempre, os “repórteres policiais” são setorizados, isto é, cobrem tão somente aquele setor específico, da mesma forma que os repórteres políticos, econômicos, esportivos, etc. Essa setorização promove uma convivência diária e prolongada, muitas vezes por décadas, com os policiais e com os fatos próprios do ambiente do crime, etc. 

Há repórteres que se tornam amigos de delegados, investigadores e outros policiais, desenvolvendo relações sociais que, em muito, extrapolam o mero contato profissional. A ninguém é proibido fazer amizades, mas a questão é que, neste caso, a amizade entre o repórter e o policial tende a levar à promiscuidade e à mútua interferência nas tarefas específicas de cada um, tarefas distintas.

Daí porque esse tipo de jornalismo tende a assumir a linguagem própria daquele ambiente. Se a linguagem é a vida, logo infere-se que o que dizem os repórteres desse setor é aquilo que pensam, independentemente dos fatos que presenciam e registram. Por isso, algumas vezes, assisto a programas “policiais” de TV em que o repórter se comporta (quase) como se ele também fosse um policial, inclusive achacando “bandidos”, chutando porta de barraco, revirando casa de suspeito que, nestes programas, são imediatamente julgados por policiais e repórteres e se tornam “bandidos”.

Público esquecido
Aliás, para alguns desses programas televisivos cabe bem a denominação de “noticiário policial”, pois os repórteres produzem relatos que se confundem com relises da instituição policial, jornalistas utilizando uma linguagem não jornalística, parecendo que são assessores de imprensa ou coisa parecida da instituição policial. Costumam esquecer o público para realçar as ações da polícia, a quem (quase) sempre as notícias são favoráveis. Nesse tipo de noticiário a polícia tem sempre a razão, não se contempla aqui a versão de quem está na condição de “bandido”.

Por isso, vejo a necessidade de algo como um noticiário criminal, adjetivo que, vejo no Aurélio, indica algo relacionado ao crime. Um noticiário assim feito tem como objeto central não a ação da polícia; o centro do interesse do repórter passa a ser o crime e os criminosos e também a ação da polícia na sua tarefa de combater o crime. Se assim fosse, ou for, os acusados (também) serão necessariamente ouvidos, consagrando o princípio elementar de que a boa notícia traz variadas versões. No atual momento do “noticiário policial” quase sempre é só ao policial que é dada a palavra.

Aliás, como já dito, a expressão “noticiário policial” é adequado para a forma de jornalismo hoje praticado. Com um novo (velho) jornalismo, quem sabe, a expressão “noticiário criminal” será mais adequada, inclusive para melhor contribuir na identificação de todos os tipos de criminosos, aqueles de gravata e aqueles de pés no chão. Estes, dos pés no chão, são os que apanham, mas apanham também na linguagem comprometida de um jornalismo que não deve ser conivente, nem relato de assessoria, mas apenas jornalismo, onde tanto o criminoso quanto o policial que o persegue merecem elogios e críticas. O interesse público acima de tudo.
Fonte: Blog do

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