Venda de habilitação corre solta no Pará

O JORNAL AMAZONIA DO DIA 27, ESTAMPOU UMA MATÉRIA MUITO SÉRIA COM  RELAÇÃO A VENDA DE CARTEIRAS DE HABILITAÇÃO NO ESTADO DO PARÁ

Comercialização de CNH penaliza o trânsito e as autoescolas

Bruna Lima

Da Redação
O Pará é apontado por representantes de autoescolas como o Estado onde há maior facilidade para adquirir a Carteira Nacional de Habilitação (CHN). Não há sistema de fiscalização que comprove que o aluno tenha passado pelas exigências do Código de Trânsito Brasileiro, pois o Estado é o único que ainda não aderiu à biometria, sistema eletrônico com a utilidade de identificar os alunos que frequentaram todas as aulas teóricas e práticas exigidas pelo código.
Frequentar as aulas e fazer o exame sem precisar pagar um valor a mais pela aprovação não é comum. Diariamente, dezenas de pessoas optam pela irregularidade para obter o documento. A negociação entre aluno, instrutor e examinador na Área de Exame Prático e Teórico do Departamento de Trânsito do Estado do Pará (Detran-PA) é normal. O valor da negociata varia entre R$ 200,00 e R$ 500,00.
Elisangela Reis fez o exame prático de motocicleta na última terça-feira, no Detran, na rodovia Augusto Montenegro, mas não passou, pois fez uma manobra errada.
"Eu estava um pouco nervosa e na hora é preciso ficar atenta aos detalhes", disse ela, que deverá retornar ao Detran para refazer o teste. "O meu instrutor ainda me perguntou se eu estava insegura. Caso eu estivesse, bastava eu pagar R$ 200,00 que o examinador do Detran ia me colocar como apta, mas eu não aceitei porque eu quero estar preparada de verdade para enfrentar o trânsito", declarou a moça.
Na manhã de quinta-feira, um homem de aproximadamente 30 anos, que não quis se identificar, saiu contente do exame.
"Eu sempre dirigi moto, mas não tinha carteira. O meu medo é que quando a gente não paga para o examinador, ele é muito rígido. O instrutor da autoescola perguntou se eu estava seguro. Em motocicleta eu disse que estava, mas a minha preocupação era no carro. Ele falou que se eu desse R$ 500,00, eu passava", afirmou.
Sindicatos afirmam que lutam para garantir fiscalização
O Sindicato dos Centros de Formação de Condutores do Estado do Pará questiona a não instalação, por parte do Detran, do sistema biométrico, cujo último prazo, dado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) por meio de resolução, era dezembro de 2010.
O presidente do sindicato, Adoniran Henrique Mesquita, 60, afirma que o sistema eletrônico ajudará a monitorar a presença dos alunos nas aulas teóricas e práticas por meio do cadastramento das impressões digitais e reconhecimento da face.
"A biometria é uma fiscalização eletrônica para provar que realmente a pessoa fez o curso, mas aqui o Detran não quer, os políticos não querem, não sei quais são os interesses, mas o fato é que ninguém quer. Nós já corremos à Justiça, mas até hoje nada foi solucionado. O irônico de tudo isso é que nós estamos brigando para sermos fiscalizados pelo Detran", acrescentou Adoniran.
O presidente do Sindicato dos Instrutores do Estado do Pará, Clodoaldo Costa, ratificou a contestação. Ele explicou que os empresários chegaram a propor custo zero ao Detran, ou seja, cada autoescola compraria as máquinas e instalaria, para estar de acordo com a medida de fiscalização eletrônica.
"Aderir à medida de fiscalização eles não querem, mas multar os motoristas é o que eles mais sabem fazer. Infelizmente o poder público não está preocupado em educar as pessoas para o trânsito, e de outro lado a população está acostumada a se render às penalidades", afirma Clodoaldo.
O presidente do Sindicato dos Instrutores do Estado do Pará diz que está ciente das negociações que ocorrem entre alunos, instrutores e examinadores para que a obtenção da habilitação ocorra mediante suborno. "Nós sabemos que essa prática existe, só que ainda não tivemos como provar e denunciar. Mas o sindicato não aprova essa atitude e é por isso que nós queremos medida de fiscalização eficaz por parte do Detran. Diante dessa facilidade, o órgão entrega um documento que dá direito à pessoa sair pelo trânsito e causar desgraça para a própria vida e para a vida de terceiros, isso é muito grave", declarou Clodoaldo Costa.
Esquema leva à imprudência no trânsito e à falência de empresas
De acordo com o presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores do Estado do Pará, por causa desse crime, as autoescolas estão perdendo espaço no mercado, e muitos empresários estão sendo obrigados a mudar de ramo. Ele disse ainda que a negociação direta entre os interessados pela Carteira Nacional de Habilitação e os agentes do Detran prejudica tanto o setor econômico quanto o social, pois aumenta a violência no trânsito.
"Existem milhares de pessoas que possuem a carteira de habilitação sem sequer um dia ter feito aula teórica e prática, nós verificamos isso através do nosso sistema. Nós constatamos que a pessoa possui o documento, mas não frequentou a autoescola", disse Adoniran Henrique.
Outro caso comum é o de pessoas que frequentam apenas parte das aulas práticas e teóricas. "Elas não cumprem o que é exigido pelo código de trânsito e nós, proprietários de autoescolas, é que perdemos com isso. Mas o pior disso tudo é que os maus condutores são formados e vão para as ruas", acrescentou o presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores do Estado do Pará.
A especialista em engenharia de transportes Ana Maria Serafico, da Universidade Federal do Pará, afirma que a fiscalização sobre a formação dos condutores é um ponto determinante para a diminuição das imprudências ocorridas no trânsito. Para ela, o Detran, juntamente com uma comissão, deveria fazer um tipo de inspeção nas autoescolas.
"É muito sério esse processo de formação dos condutores. São pessoas que se tornarão aptas a conduzir um veículo, por isso, é necessário fiscalizar com rigidez tanto os monitores como os alunos. Assim, eu acredito que teríamos um trânsito sem tantas imprudências", destacou a especialista.
Detran: sistema não existe em todo o estado
Durante a semana, a assessoria de comunicação do Detran-PA informou que não havia no órgão alguém disponível para dar informações sobre o trabalho de fiscalização que vem sendo realizado. Por meio de nota enviada por e-mail, o órgão afirma que o sistema biométrico já está sendo implantado.
"O Detran do Pará cuida no momento de cumprir o que diz a Resolução 350 do Contran, de implantação da biometria para medir a frequência dos alunos das autoescolas. Atualmente, a biometria foi implantada apenas em parte no Detran do Pará. Hoje, o candidato que chega ao Detran pela primeira vez, tem que fazer a captura das digitais, assim como a captura da imagem e da assinatura", informa a nota.
O Detran-PA informa que a captura biométrica já é feita em Belém, Santarém, Marabá, Capanema e Redenção, e que a mesma tecnologia ainda precisa ser implantada nos outros municípios paraenses. O próximo passo, diz, é fazer a ligação do Detran com as autoescolas, para que os estabelecimentos possam conferir a identidade dos alunos e registrar sua frequência automaticamente junto com o Detran, em uma rede.
"Quando estiver implantada, a biometria permitirá comprovar que o candidato passou pelos exames psicotécnico e médico e por 45 horas de aulas de legislação de trânsito. A frequência aferida biometricamente também vai garantir que o candidato cumpra integralmente as 20h aulas práticas de trânsito, com registros de entrada e saída do aluno da sala de aula e do início e do fim das aulas práticas com instrutor de trânsito", diz nota.
Polícia não tem provas da irregularidade
O delegado Neyvaldo Silva, da Divisão de Investigações e Operações Especiais (Dioe), analisa a compra da carteira de habilitação. "A pessoa que não está se sentindo preparada para fazer o exame prático e paga pelo documento é imprudente. E pior ainda é aquela que recebe para tornar apto quem está despreparado, as duas situações levam ao crime", explicou o delegado.
A pena para esse crime de corrupção ativa ou passiva, de acordo com o Código Penal, é de 1 a 8 anos de reclusão. Nesse caso, envolve o aluno, o instrutor da autoescola e o examinador, para o qual há o agravante de perder o cargo público.
Não há, na Dioe, nenhuma denúncia com provas sobre a prática criminosa, e o delegado Neyvaldo Silva explica que para fazer uma investigação nesse ambiente é necessário apoio do Detran. "Para realizar a prisão é necessário entrar nesse ambiente, pois não podemos armar um flagrante, e o ideal seria flagrar a negociação entre as partes envolvidas, por isso, requer uma investigação bem sigilosa". "A prática é criminosa e todas as partes envolvidas podem ser presas. Apesar da dificuldade, é possível realizar o flagrante", completa o delegado.

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