Da Redação
O Pará
é apontado por representantes de autoescolas como o Estado onde há
maior facilidade para adquirir a Carteira Nacional de Habilitação (CHN).
Não há sistema de fiscalização que comprove que o aluno tenha passado
pelas exigências do Código de Trânsito Brasileiro, pois o Estado é o
único que ainda não aderiu à biometria, sistema eletrônico com a
utilidade de identificar os alunos que frequentaram todas as aulas
teóricas e práticas exigidas pelo código.
Frequentar
as aulas e fazer o exame sem precisar pagar um valor a mais pela
aprovação não é comum. Diariamente, dezenas de pessoas optam pela
irregularidade para obter o documento. A negociação entre aluno,
instrutor e examinador na Área de Exame Prático e Teórico do
Departamento de Trânsito do Estado do Pará (Detran-PA) é normal. O valor
da negociata varia entre R$ 200,00 e R$ 500,00.
Elisangela
Reis fez o exame prático de motocicleta na última terça-feira, no
Detran, na rodovia Augusto Montenegro, mas não passou, pois fez uma
manobra errada.
"Eu
estava um pouco nervosa e na hora é preciso ficar atenta aos detalhes",
disse ela, que deverá retornar ao Detran para refazer o teste. "O meu
instrutor ainda me perguntou se eu estava insegura. Caso eu estivesse,
bastava eu pagar R$ 200,00 que o examinador do Detran ia me colocar como
apta, mas eu não aceitei porque eu quero estar preparada de verdade
para enfrentar o trânsito", declarou a moça.
Na manhã de quinta-feira, um homem de aproximadamente 30 anos, que não quis se identificar, saiu contente do exame.
"Eu
sempre dirigi moto, mas não tinha carteira. O meu medo é que quando a
gente não paga para o examinador, ele é muito rígido. O instrutor da
autoescola perguntou se eu estava seguro. Em motocicleta eu disse que
estava, mas a minha preocupação era no carro. Ele falou que se eu desse
R$ 500,00, eu passava", afirmou.
Sindicatos afirmam que lutam para garantir fiscalização
O
Sindicato dos Centros de Formação de Condutores do Estado do Pará
questiona a não instalação, por parte do Detran, do sistema biométrico,
cujo último prazo, dado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) por
meio de resolução, era dezembro de 2010.
O
presidente do sindicato, Adoniran Henrique Mesquita, 60, afirma que o
sistema eletrônico ajudará a monitorar a presença dos alunos nas aulas
teóricas e práticas por meio do cadastramento das impressões digitais e
reconhecimento da face.
"A
biometria é uma fiscalização eletrônica para provar que realmente a
pessoa fez o curso, mas aqui o Detran não quer, os políticos não querem,
não sei quais são os interesses, mas o fato é que ninguém quer. Nós já
corremos à Justiça, mas até hoje nada foi solucionado. O irônico de tudo
isso é que nós estamos brigando para sermos fiscalizados pelo Detran",
acrescentou Adoniran.
O
presidente do Sindicato dos Instrutores do Estado do Pará, Clodoaldo
Costa, ratificou a contestação. Ele explicou que os empresários chegaram
a propor custo zero ao Detran, ou seja, cada autoescola compraria as
máquinas e instalaria, para estar de acordo com a medida de fiscalização
eletrônica.
"Aderir
à medida de fiscalização eles não querem, mas multar os motoristas é o
que eles mais sabem fazer. Infelizmente o poder público não está
preocupado em educar as pessoas para o trânsito, e de outro lado a
população está acostumada a se render às penalidades", afirma Clodoaldo.
O presidente do
Sindicato dos Instrutores do Estado do Pará diz que está ciente das
negociações que ocorrem entre alunos, instrutores e examinadores para
que a obtenção da habilitação ocorra mediante suborno. "Nós sabemos que
essa prática existe, só que ainda não tivemos como provar e denunciar.
Mas o sindicato não aprova essa atitude e é por isso que nós queremos
medida de fiscalização eficaz por parte do Detran. Diante dessa
facilidade, o órgão entrega um documento que dá direito à pessoa sair
pelo trânsito e causar desgraça para a própria vida e para a vida de
terceiros, isso é muito grave", declarou Clodoaldo Costa.
Esquema leva à imprudência no trânsito e à falência de empresas
De
acordo com o presidente do Sindicato dos Centros de Formação de
Condutores do Estado do Pará, por causa desse crime, as autoescolas
estão perdendo espaço no mercado, e muitos empresários estão sendo
obrigados a mudar de ramo. Ele disse ainda que a negociação direta entre
os interessados pela Carteira Nacional de Habilitação e os agentes do
Detran prejudica tanto o setor econômico quanto o social, pois aumenta a
violência no trânsito.
"Existem
milhares de pessoas que possuem a carteira de habilitação sem sequer um
dia ter feito aula teórica e prática, nós verificamos isso através do
nosso sistema. Nós constatamos que a pessoa possui o documento, mas não
frequentou a autoescola", disse Adoniran Henrique.
Outro
caso comum é o de pessoas que frequentam apenas parte das aulas
práticas e teóricas. "Elas não cumprem o que é exigido pelo código de
trânsito e nós, proprietários de autoescolas, é que perdemos com isso.
Mas o pior disso tudo é que os maus condutores são formados e vão para
as ruas", acrescentou o presidente do Sindicato dos Centros de Formação
de Condutores do Estado do Pará.
A
especialista em engenharia de transportes Ana Maria Serafico, da
Universidade Federal do Pará, afirma que a fiscalização sobre a formação
dos condutores é um ponto determinante para a diminuição das
imprudências ocorridas no trânsito. Para ela, o Detran, juntamente com
uma comissão, deveria fazer um tipo de inspeção nas autoescolas.
"É muito sério esse
processo de formação dos condutores. São pessoas que se tornarão aptas a
conduzir um veículo, por isso, é necessário fiscalizar com rigidez
tanto os monitores como os alunos. Assim, eu acredito que teríamos um
trânsito sem tantas imprudências", destacou a especialista.
Detran: sistema não existe em todo o estado
Durante
a semana, a assessoria de comunicação do Detran-PA informou que não
havia no órgão alguém disponível para dar informações sobre o trabalho
de fiscalização que vem sendo realizado. Por meio de nota enviada por
e-mail, o órgão afirma que o sistema biométrico já está sendo
implantado.
"O
Detran do Pará cuida no momento de cumprir o que diz a Resolução 350 do
Contran, de implantação da biometria para medir a frequência dos alunos
das autoescolas. Atualmente, a biometria foi implantada apenas em parte
no Detran do Pará. Hoje, o candidato que chega ao Detran pela primeira
vez, tem que fazer a captura das digitais, assim como a captura da
imagem e da assinatura", informa a nota.
O
Detran-PA informa que a captura biométrica já é feita em Belém,
Santarém, Marabá, Capanema e Redenção, e que a mesma tecnologia ainda
precisa ser implantada nos outros municípios paraenses. O próximo passo,
diz, é fazer a ligação do Detran com as autoescolas, para que os
estabelecimentos possam conferir a identidade dos alunos e registrar sua
frequência automaticamente junto com o Detran, em uma rede.
"Quando estiver
implantada, a biometria permitirá comprovar que o candidato passou pelos
exames psicotécnico e médico e por 45 horas de aulas de legislação de
trânsito. A frequência aferida biometricamente também vai garantir que o
candidato cumpra integralmente as 20h aulas práticas de trânsito, com
registros de entrada e saída do aluno da sala de aula e do início e do
fim das aulas práticas com instrutor de trânsito", diz nota.
Polícia não tem provas da irregularidade
O
delegado Neyvaldo Silva, da Divisão de Investigações e Operações
Especiais (Dioe), analisa a compra da carteira de habilitação. "A pessoa
que não está se sentindo preparada para fazer o exame prático e paga
pelo documento é imprudente. E pior ainda é aquela que recebe para
tornar apto quem está despreparado, as duas situações levam ao crime",
explicou o delegado.
A
pena para esse crime de corrupção ativa ou passiva, de acordo com o
Código Penal, é de 1 a 8 anos de reclusão. Nesse caso, envolve o aluno, o
instrutor da autoescola e o examinador, para o qual há o agravante de
perder o cargo público.
Não
há, na Dioe, nenhuma denúncia com provas sobre a prática criminosa, e o
delegado Neyvaldo Silva explica que para fazer uma investigação nesse
ambiente é necessário apoio do Detran. "Para realizar a prisão é
necessário entrar nesse ambiente, pois não podemos armar um flagrante, e
o ideal seria flagrar a negociação entre as partes envolvidas, por
isso, requer uma investigação bem sigilosa". "A prática é criminosa e
todas as partes envolvidas podem ser presas. Apesar da dificuldade, é
possível realizar o flagrante", completa o delegado.
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