Plebiscito: o Tapajós na imprensa de ontem, inclusive n' O Liberal. De Everaldo Martins a Paulo Lisboa

O Rio Tapajós encontra o Rio Amazonas em frente a Santarém
Houve o desejo de que os militares de 64 criassem o Estado por decreto

Uma olhada nos jornais de vários anos atrás demonstra como a questão da criação do Estado do Tapajós foi tratada ao longo da segunda metade do século 20 até os anos 80. A questão ainda causava pouco nervosismo em Belém, a ponto de o jornal O Liberal noticiar, algumas vezes com destaque, o movimento separatista, sem o ranço e o rancor verificados hoje.


Por exemplo, o que se encontra na década de 1960 são algumas manifestações de políticos ou de articulistas, quase sempre revelando o desejo de que o governo central tomasse a iniciativa de promover a autonomia do Tapajós ou Baixo Amazonas. Nessa linha, o então prefeito Everaldo Martins, exercendo mandato por nomeação, é chamado de “governador do município de Santarém” em editorial do jornal Correio do Interior, em 1965; o prefeito chama, na mesma matéria, Santarém de “capital do Baixo Amazonas” que “continua despertando de um longo sonho de irrealizações”; ao mesmo tempo afirma que o Rio Tapajós “acompanha a paz e a tranqüilidade que o governo proporciona à família santarena e simboliza nossa fé nos destinos da Pátria”, disse Martins.

O desejo de atendimento, pelo poder central, de uma aspiração de grupos locais, é mais explícito no que escreveu o articulista Evangelista Damasceno, no jornal Jornal de Santarém, em março de 1967. Escreveu ele:

Acredito que a Tapajônia só alcança o lugar que lhe está determinado dentro do panorama nacional quando for transformada em Estado, o que não é difícil de acontecer, visto que o atual Presidente da República, Marechal Costa e Silva, encontra-se imbuído dos melhores propósitos para impulsionar o progresso da Pátria estremecida!

A Tapajônia - denominação empregada com a evidente intenção de caracterizar uma identidade regional - é apontada por Damasceno como importante para o interesse nacional, o que de fato é naquele período de governo ditatorial, haja vista a inclusão de parte do Oeste do Pará nas áreas de interesse da Segurança Nacional. Não há, porém, coincidência entre o interesse local e o nacional, este alheio a uma reivindicação de cunho regionalista.

Pouco antes, outros articulistas trataram da criação do Estado ou do Território do Baixo Amazonas, alguns comentando o projeto de resolução do deputado Alfredo Gantuss, apresentado à Assembléia Legislativa do Estado em 1963, ou a proposta do deputado federal José Burlamaqui de Miranda, também de 1963, criando os Territórios do Xingu, Tapajós e Tumucumaque, no Pará, e Madeira, Purus e Juruá, no Amazonas.

Em diversos momentos, O Jornal de Santarém, que tinha como diretor-responsável o ex-deputado e ex-prefeito de Santarém Ubaldo Campos Corrêa, tratou do tema, ligando-o a questões de política partidária e alegando que o governo federal não dispunha de recursos financeiros para apoiar novas unidades autônomas.

Nos anos 70, com o recrudescimento do regime militar, década inteira em que Santarém esteve como área de segurança nacional, a imprensa local apresenta escassos registros sobre a aspiração autonomista, entre eles uma “Notícia alvissareira” publicada n’O Jornal de Santarém de 3 de março de 1973, na página 1, dando conta de uma idéia de criar-se o Território Federal do Tapajós e “da elevação de Santarém à categoria de sua capital”, porém sem especificar a fonte da informação nem o autor da idéia. Diz a matéria em forma de editorial:

O motivo da alegria se justifica porque a elevação da Pérola do Tapajós à categoria de capital de um território representa mais um largo passo em direção ao ponto de destaque que a natureza reservou à nossa cidade. Como capital de um território, com a importância que Santarém representa no desenvolvimento da área, nossa cidade passará a dispor de certos privilégios que a ajudarão a melhorar a atual situação em que se encontra em seu aspecto geral, não por descuido ou omissão dos seus dirigentes, mas por absoluta falta de recursos.

Durante a ditadura, o historiador amazonense Samuel Benchimol, em 1977, sai em defesa da “reorganização do espaço político” da Amazônia, também mostrou-se esperançoso em que a medida pudesse ser adotada por um ato isolado do poder autoritário de então. Afirmou Benchimol. Na prática, pedia aos generais de então que separassem o Baixo Amazonas do Pará:

Na hipótese ou na impossibilidade de sua instituição por via parlamentar, que seria ideal do ponto de vista democrático e político, restaria apenas o gesto heróico de sua institucionalidade por ato revolucionário, mediante a edição do Ato Institucional n.º 6 ... que completaria o ciclo da Revolução de Março de 1964.

Fica evidente que não só as elites do Oeste do Pará sonharam com essa forma de solução externa, partindo de um ato discricionário do poder central, reeditando-se o ato de Vargas ao criar territórios federais.

No início da década de 1980, verifica-se a movimentação do então prefeito nomeado Ronan Liberal que, percebendo que a figura das áreas de segurança nacional se aproximava do fim, tornou-se um defensor da autonomia. Em 1983, disse o jornal O Liberal de Belém, hoje um inimigo público da emancipação do Tapajós: “Para ele [Ronan] a simples retirada das áreas de Segurança Nacional não significaria muito em termos, por exemplo, de mais verbas, pois o Estado [do Pará] também não as tem. Isso só seria melhorado com a instituição da autonomia do Baixo Amazonas, transformado em Estado ou Território Federal”. A mesma matéria inclui comparação feita pelo prefeito de Santarém com a situação fiscal da cidade de Macapá, capital do então Território do Amapá: “Hoje Santarém tem um orçamento de um bilhão de cruzeiros, e Macapá, do mesmo porte, recebe repasse federal de mais de três bilhões”.

Em 1984, juntamente com o deputado estadual Paulo Lisboa, Ronan Liberal promoveu uma reunião de prefeitos com vistas a mobilizá-los para a campanha separatista. Na ocasião, disse Lisboa: “Se Deus assim o permitir, está nascendo neste momento a 23a unidade da Federação, porque, a partir de agora, esta luta, que não é de hoje, toma forma concreta, deixando de constar simplesmente em pronunciamentos dentro da Assembléia Legislativa e em reportagens da imprensa”. Esta declaração de Paulo Lisbia foi publicada n'O Liberal de 9 de abril de 1984, sob o título "Prefeitos do Baixo Amazonas tratam do Estado do Tapajós".

A declaração de Lisboa espelha o aparecimento de um movimento ainda difuso, que constitui os primórdios do movimento autonomista que viria a tomar forma, inclusive jurídica, sete anos mais tarde. O regime militar dava sinais de estar no ocaso, sem ter sido atendida a antiga aspiração.

Então, era como se um novo tempo começasse, o tempo da mobilização política de dentro para fora, espécie de reação ao período de silêncio em que os grupos de poder esperaram um ato ditatorial que não chegou. É isso que se percebe na declaração do prefeito Ronan Liberal, na reunião com os prefeitos do Baixo Amazonas, naquele momento ainda não identificado politicamente como Oeste do Pará: “A nossa emancipação política interessa somente a nós, que somos da região”, como saiu na notícia de O Liberal de abril de 1984.

Imagem: skyscrapercity.com
Fonte: Blog do Professor Manuel Dutra

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