Rádios Comunitárias - uma tese desnuda a patifaria antidemocrática



Comunicação e desenvolvimento: midiatização periférica e rádios comunitárias na Transamazônica
Rádios Comunitárias da Transamazônica
demonstram falta de democracia no Brasil
(Fotos: MD)


"Comunicação e desenvolvimento: midiatização periférica e rádios comunitárias na Transamazônica" - Este é o título da tese de doutorado de Rosane Steinbrenner, professora na Faculdade de Comunicação da UFPA, apresentada há duas semanas.

Trata-se de uma tese única na sua
modalidade, na profundidade da pesquisa que Rosane realizou e continua realizando e no estilo, com um texto de fácil leitura dadas as habilidades jornalísticas da autora.

O trabalho, nos seus aspectos teóricos e nas análises dos dados recolhidos ao longo da Transamazônica, nos municípios entre Altamira e Rurópolis, conclui, com olhar rigoroso sobre os dados, aquilo que já sabemos na prática: o setor das rádios comunitárias no Brasil é um exemplo vivo da falta de democracia no País, situação imutável desde o final do ciclo dos governos militares, passando por Collor, Itamar, FHC, Lula I e II e, agora, com Dilma.

Simplificando: As Rádios do Povo são boicotadas por uma lei que foi criada para impedir a existência de rádios desse tipo, ao mesmo tempo em que a Abert, que é associação de radiofusão dos donos das grandes empresas continua a mandar nas leis da radiodifusão, sob a liderança da Globo e assemelhados aos quais todos os governos obedecem, desde os militares até os governos "democráticos" pós-"redemocratização".

No Brasil existe uma democracia formal, burguesa, elitista (quem está nas cadeias do País? Veja as fotos das grades superlotadas e verá que ali NÃO estão os corruptos das Assembléias Legislaticas, do Congresso, empresários ladrões, colarinhos brancos de modo geral. Nas grades estão apenas os desdentados...).



A banca, da esquerda para a direita:
Manuel Dutra, Luciana Costa, Rosane Steibrenner,
Thomas Hurtienne, Maurílio Monteiro e
Edna Castro
Esse viés afeta todos os setores da sociedade. O excelente trabalho de pesquisa da professora Rosane demonstra, cientificamente, como se processa essa "democracia" falsa em relação às Rádios Comunitárias, perseguidas sem trégua pela Polícia Federal e demais "autoridades" apenas porque relutam em falar uma linguagem distinta daquela do Plin-Plin e seus assemelhados.

Para os leigos no assunto: O governo só permite às Rádios Comunitárias uma potência de 25 watts, um milionésimo da potência das estações comerciais. Com essa potência, o som de uma Rádio Comunitária não passa, quando tem sorte, de uma distância de 4 quilômetros. Há situações em que um grito bem forte por um megafone ou o sino de uma capela são ouvidos mais longe do que o sinal de uma dessas rádios populares. Mas as formas legais de perseguição são ainda muito maiores dentro da lei 9612, de 1998, assinada por FHC.

Como integrante da banca de arguição pública desta tese, a convite de Rosanne e de seu orientador, Thomas Hurtienne, do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia, da UFPA, eu disse o que segue, em trechos da minha fala completa:

"De um certo modo, é estarrecedor conceber uma lei como a 9.612/98, do governo Fernando Henrique, mantida pelo governo Lula e ainda em vigor depois desses anos todos da chamada redemocratização. Essa lei e os demais documentos dela derivados até parecem um recrudescimento da maneira como os governos militares trataram aquilo que se poderia chamar de radiodifusão popular ou as emissoras cujas finalidades não se fixavam nos aspectos meramente comerciais.


A lei básica da radiodifusão chamada de comunitária parece um instrumento de fazer inveja a qualquer ditadura, e é ditadura mesmo, pois o Brasil não é um país democrático, já que a democracia não existe pela metade, ou é democracia ou não é. E a legislação e as ações de cerceamento da liberdade de expressão de grupos contra-hegemônicos, assim como as ações punitivas, são obras características de regime ditatorial.


A lei 9.612/98 foi feita pela Abert, a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão, tradicionalmente sob o domínio da Rede Globo. Em algum momento conheci a Abert por dentro, das vezes em que participei de suas reuniões, como diretor da Rádio Rural de Santarém. Uma delas só começou depois da chegada do general João Figueiredo, presidente da República, que ali foi homenageado como comandante de um regime que, nas suas relações de poder com a mídia, continua quase intocado.


E assim a Abert a impôs a um governo submisso e ao mesmo tempo solidário com o grande capital midiático. Essa emissora que nasceu à margem da lei e que hoje impõe a vontade de uma família não só às suas concorrentes como também à sociedade: os grandes assuntos nacionais pautados e liberados para divulgação passam pelo crivo privilegiado da família Marinho e demais famílias a ela subordinadas. Igualmente como as pautas da Globo, se não determinam, têm um imenso poder de afetar as agendas e pautas das demais famílias midiáticas, famílias que lembram, na grafia italiana, as famiglias mafiosas.




Tudo isso está, com outras palavras, dito na tese de Rosane, no entanto, ao ler o texto fiquei, em alguns momentos, com a sensação de que era preciso reafirmar que o problema das Rádio Comunitárias é algo que em muito ultrapassa alguma espécie de perseguição pontual aos grupos subalternos, estes eternamente impedidos de dar visibilidade a seu discurso, a suas vidas e às suas aspirações.


Em alguns momentos me pareceu que faltou reafirmar que essas gravíssimas questões envolvendo a relação de poder no tocante às Rádios Comunitárias nada mais são do que a explicitação da luta de classes. Assim como é negado o sinal no espectro eletromagnético, historicamente é negado o direito à terra, à educação, à saúde, à dignidade. Impressiona apenas que a lei 9.612 deixe isso de modo tão explícito, obra criada e mantida por governos ditos democráticos.


O coronelismo eletrônico continua tão vivo quanto todas as demais formas de coronelismo, de modo particular quando se trata de regiões onde as comunidades são propositadamente esquecidas, jogadas à própria sorte, enganadas por planos e projetos de um desenvolvimento ad extra. Um coronelismo que se nutre da ação de coronéis que começaram as suas atividades ainda no século 16, com as captanias hereditárias e que, mutatis mutandis, foram-se atualizando para manter a essência das formas de solidariedade com o poder central autoritário.


Fonte: Blog do Professor Manuel Dutra
A banca, da esquerda para a direita:


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