Tapajós e Carajás - A guerra ainda nem começou


A comparação é desproporcional, mas é válido lembrar Mao Tse-Tung quando disse que a revolução não é um banquete. Quem pensa - se há alguém pensando assim - que a institucionalização dos Estados do Tapajós e do Carajás são favas (quase) contadas, está redondamente enganado.

Podem ser criadas estas duas novas unidades, e devem ser criadas, mas os envolvidos na luta, de modo particular os partidários da separação, devem ter claro na cabeça que isso é e será dificílimo. Não digo impossível, mas a guerra ainda nem começou, a despeito de alguns tiros já disparados.

Primeiro, devem refletir que nenhum dos 26 Estados brasileiros foi criado dessa maneira, por um misto de ação parlamentar e movimento popular. O que mais se aproxima é Tocantins, instituído pelos constituintes de 1988, fruto de uma movimentação dos congressistas-constituintes sob a liderança do futuro multi-governador Siqueira Campos, que chegou a fazer greve de fome na Praça dos três Poderes, em Brasília.

Os demais foram criados por atos discricionários que vão do Imperador Pedro II (Paraná e Amazonas), passando por Getúlio Vargas (os Territórios Federais hoje Estados) até o general presidente João Figueiredo, que cortou ao meio o Estado do Mato Grosso. Atos autoritários, portanto, contra os quais não houve ou não se manifestou oposição, por óbvias razões.

Aí está a dificuldade histórica que remonta ao Descobrimento, com a criação das capitanias hereditárias, depois repartidas em sesmarias, que pariram o latifúndio que ainda está aí, lépido e fagueiro, consagrado pelo viés centralizador do poder central brasileiro e pelo patrimonialismo territorial subjacente à histeria e ao descontrole emocional, o que dá no mesmo, que invade a alma das elites tradicionais quando se fala em reorganização do território.

Até parece que dividir, reunir, incorporar território dentro da Federação é coisa do diabo, inconstitucional, é como separar-se do Brasil, criar um outro país. Ao contrário, pleitear novos municípios e novos Estados é tão constitucional quanto pagar imposto de renda.

As outras dificuldades contemporâneas são conhecidas e, por conhecidas, não podem passar despercebidas: estas dificuldades vêm desde Brasília até o município de Óbidos. O governo federal é contra e tudo fará para impedir o andamento do processo do plebiscito. A maioria dos congressistas, especialmente a imensa bancada paulista e de outros Estados são contra. O governo do Pará, naturalmente contrário, já está pondo em prática um arsenal que, em caso de haver mesmo plebiscito, só não contará com bomba atômica, mas o resto valerá!

E os empresários de Belém? Aqueles com raízes familiares e históricas aqui são contra e já se movimentam. Porém há outros, entre eles alguns também com antigas raízes aqui, estão na moita, como aliás se revela o "patriotismo" e o "regionalismo" de todo empresário, cuja pátria se encontra onde se encontram as oportunidade de aumentarem o seu capital.

O Grupo Yamada, por exemplo, já comprou meio mundo de imóveis dentro da cidade de Santarém, inclusive o antigo estádio de futebol, além de terras na BR-163, estocando, certamente, recursos para um provável futuro, a despeito de Fernando Yamada ter-se proclamado contra a conclusão da BR-163 e a criação do Estado. Mas isso ele disse faz tempo...

No varejo, há as dificuldades existentes no próprio interior da região Oeste do Pará. Em Óbidos, por exemplo, o jornalista Ronaldo Brasiliense, pretenso candidato a prefeito, prega o voto "não" no plebiscito, caso este se realize. Se ele se sente seguro para essa pregação é porque há quem o ouça. Mas Óbidos tem bronca histórica contra Santarém, desde os tempos idos em que aquele bela cidade da margem esquerda do Amazonas foi o mais importante porto entre Belém e Manaus, e sede de um importante grupamento militar de atalaia contra imvasores estrangeiros.

A desconfiança é velha também entre outros municípios da margem esquerda, onde há pessoas que alegam que o nome "Tapajós" não lhes respeito, está longe, etc. O que não deixa de ser verdade, embora isso não passe de uma desculpa para a velha aspiração de Óbidos de se tornar também sede de uma entidade autônoma.

Além do mais, a pergunta: quando o projeto do Tapajós sairá do Senado? O que acontecerá quando, e se, chegar à Câmara? Há possibilidade de fazer o plebiscito só do Carajás? Aí a derrota é certíssima, pois só existe alguma chance de o plebiscito ser favorável às duas entidades se as duas entrarem na mesma consulta popular. O projeto do Tapajós empacou na Câmara por causa da estupidez de aumentarem absurdamente o tamamnho do território, chegando a quase 60% do Pará inteiro, fazendo crescer, dessa forma, a raiva do governo e dos políticos paraenses opostos à divisão.

E tem mais e muito mais: as manobras parlamentares, os recursos que irão ao infinito no STF até minutos antes de começar a votação do plebiscito. Como se sabe, o STF ainda nem decidiu quais são as áreas "diretamente" interessadas. Vai decidir quando? A decisão vai favorecer o viés histórico: fica tudo como está, nada muda. E tem a campanha que, se houver, será feroz e num nível que é fácil de prever o que será dito na televisão e no rádio.

Como se percebe, a guerra está só no começo. Para os adeptos da criação dos Estados do Tapajós e do Carajás há um longo, a "very long, long, long way to run...". O banquete, se ainda for nesta geração, já tem o cardápio, esse que está aí acima.


Mas, para consolo dos que esperam o dia da festa, lembro o que disse um natural adversário da divisão territorial, mais ou menos com estas palavras: Sou contra a criação do Estado do Tapajós (não se falava ainda do Carajás), mas sei que ele será criado um dia, seja neste século, seja no próximo". Quem assim falou foi o empresário e político paraense de Marabá, mas que sempre viveu em Belém, Oziel Carneiro, em artigo no jornal O Liberal, há cerca de 25 anos, pouco tempo depois que ele tentou, sem êxito, ser governador do Pará. Ele falou ainda no século 20 e já estamos no 21.


Novos Estados: o Pará já está dividido, e por dentro, infelizmente!
Estação Rodoviária de Marabá:
muitos destinos, menos Belém (Fotos: MD)

Se tomarmos o fato de que os embates por uma divisão territorial, política e administrativa, ou seja, o processo de luta por autonomia política começa muito antes da separação física, de fato, não há nenhum exagero em afirmar que as regiões Sul/Sudeste e Oeste paraenses, isto é, o Tapajós e o Carajás, já se acham relativamente separados da união composta pelo Estado do Pará.

Em fevereiro estive em Marabá, Tucuruí, Breu Branco e Jacundá e, nesses municípios do pretendido Estado do Carajás, já existe um fumo relativamente forte, se não como movimento organizado em prol da separação, mas de indiferença em relação ao grande Estado. Daquela região as pessoas ligam-se, cultural e afetivamente, mais ao Maranhão, Goiás, Mato Grosso, Piauí e Minas.

As cidades mais procuradas, por exemplo, para tratamento médico especializado, são Arguaína, Palmas, Goiânia, e cidades maranhenses e piauienses. Para Belém, em comparação, as viagens são raras, tal como se vê nas placas e horários de saídas de ônibus nas duas estações rodoviárias de Marabá (foto acima).
Porto de Santarém recebe transatlânticos
e está na mira dos exportadores da ZF

Nesta cidade, eu ouvi a expressão "vocês, do Pará", indicativo de um estado de ânimo ainda difuso e que, se trabalhado com competência por lideranças sociais e políticas, pode incendiar os ânimos e catalisar o ímpeto separatista.

No Oeste, onde estive em Santarém semana passada, realizou-se um grande encontro de lideranças políticas, empresariais e de movimentos sociais (novidade: os movimentos sociais e ONGs estão entrando na luta). Havia políticos de diversos municípios da região, representantes do Sul/Sudeste do Pará e de Manaus. Esta cidade amazonense tem particular interesse na criação do Tapajós.

Os empresários e os políticos de lá imaginam que, com a autonomia, a BR-163 seria logo viabilizada economicamente, com asfalto em todo o percurso, dando vazão às exportações da Zona Franca de Manaus com mais rapidez em direção ao centro/sul do País. E a preços incomparavelmente mais competitivos do que descer o rio Amazonas até Belém e tomar e Belém-Brasília.

Mas não é disto que falo. Penso mais naquela expressão "vocês, lá do Pará" e de outra, que ouvi em Santarém, de um engenheiro agrônomo: "Eu e muita gente aqui queremos mostrar aos nossos irmãos de Belém, e de outras regiões, que nós não somos paraenses".

Esta é a separação já existente, por dentro. Quem nasceu e se criou em Belém e nas regiões mais próximas à capital, e não conhece nem o Sul nem o Oeste do Pará, não tem idéia dessa velha aspiração. Imaginam que se trata, apenas, de ação aventureira. Esta existe em todo e qualquer movimento político e social, mas não se pode desconhecer que a autonomia político-administrativa enraíza-se no povo, faz parte da cultura de gerações.

Dessa forma, o Pará já se acha dividido. O que o plebiscito revelar, seja o sim, seja o não, essa realidade não só permanecerá como, em qualquer das duas opções, se aprofundará. Uma possibilidade que deveria fazer refletirem as lideranças maiores do Pará e daquelas duas regiões. Afinal, não se leva a campo uma luta dessa magnitude pensando apenas dentro de gabinetes. Por que não vão às ruas, ouvir o povo de lá e de cá, antes do plebiscito?

Uma dura situação está posta: se houver plebiscito, seu resultado trará graves consequências, grave aqui não apenas no sentido negativo, mas a gravidade de prováveis novas soluções para velhos problemas. Se não houver plebiscito, a frustração de uma imanesa parte da população do Pará crescerá. Se correr o bicho pega, se ficar... Há lideranças para levar em conta estas possibilidades? (Duvido!)

Fonte: Blog do Manuel Dutra

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