Feira do Ver-O-Peso completa hoje 383 anos

A feira se mantém como espaço-síntese da cultura paraense

Como será o Ver-o-Peso daqui a 300 anos? A maior feira a céu aberto da América Latina faz aniversário hoje, completando 383 anos dividida entre três mundos: o passado, o presente e o futuro. Enquanto mantém sua tradição de produtos e costumes, o maior patrimônio de Belém também se adequa aos novos tempos, dominado pela paisagem urbana e pelas novas tecnologias.
Maior feira a céu aberto completa mais um ano de existência

Já na esquina da feira, na Boulevard Castilhos França com a avenida Portugal, onde fica a chamada Pedra do Peixe, é possível perceber essa simbiose de mundos. Quando o dia ainda está amanhecendo, às 6h, o movimento de veículos é grande, com carros e ônibus dos novos tempos, disputando cada espaço no asfalto com os tradicionais carregadores de peixe e carreteiros.

Enquanto a venda na beira do rio, mesmo proibida, acontece, o movimento não para. Com caixas cheias de peixes na cabeça, os carregadores andam de um lado para o outro, acelerados para garantir o suado dinheiro. Para abrir caminho entre pessoas e bicicletas, às vezes é preciso assobiar ou gritar. Mais ou menos como os motoristas usam as buzinas para alertar quem está na frente. “Não dá para parar. É tudo rápido. É pesado, mas estamos acostumados”, diz Manoel leite, esbaforido com uma caixa de pescado na cabeça.

Do outro lado da feira, o choque de gerações também pode ser percebido. Se no meio da feira estão as erveiras, os vendedores de frutas, verduras, comida pronta e artesanato, na outra ponta, ficam os vendedores de roupas e eletrônicos, já próximos da Estação das Docas, outro símbolo da modernidade belenense. “A feira evoluiu, temos que evoluir”, resume Marcelo Martins, 26 anos, vendedor de produtos importados e brinquedos.

Marcelo afirma que, se o exótico atrai mais o turista, o tipo de produto que vende é mais para quem mora na cidade. “Quem compra mais é o pessoal daqui, turista só compra mesmo o artesanato e as frutas”, resume o camelô, que fica ali mais de 12 horas por dia “pra ganhar alguma coisa”.

Cartão de crédito para ajudar a vender

Para sobreviver, até quem vive da tradição precisa se adaptar à tecnologia. Na barraca de artesanato de Rubens Drago, 40 anos, por exemplo, você pode comprar os produtos com dinheiro e com cartão de crédito. “Hoje, ninguém mais compra com cheque, por desconfiança, só dinheiro e cartão”, explica, enquanto mostra a máquina que faz a compra com o “dinheiro de plástico”. “Quando me ofereceram esse tipo de venda, tive que aceitar. Muita gente deixa o dinheiro no banco e só carrega o cartão por segurança”.

Mesmo assim, Rubens diz que o comércio é outro, bem pior do que há 20 anos, quando começou no local. “Quando comecei, a gente faturava mais, os turistas compravam. Hoje muitos só olham, tiram fotos e vão embora”, reclama. Outro problema enfrentado pelos artesãos é a facilidade oferecida pelos produtos industrializados. “Muita gente deixou o artesanato de lado. Uma peneira que era usada para pôr frutas, por exemplo, hoje as pessoas usam de plástico, mas barato e durável”, reitera.

Mas, acima de tudo, ele é um otimista sobre o futuro do mercado. “O Ver-o-Peso depende de nós mesmos para sobreviver. Nós temos que cuidar dele como cuidamos da nossa casa e mantê-lo limpo. Só assim ele vai durar mais”, complementa.

Se depender das vendedoras, a feira vai durar mesmo, com o conhecimento repassado através das gerações. “Ela tem que se virar, de repente eu caio doente e morro, ela que vai tomar conta aqui”. Assim, de maneira simples e direta, que Sueli Souza, 45 anos, 30 deles vividos na experiência em ervas, explica por que está ensinando tudo que sabe à filha, Simone Souza, 23 anos. Sueli confirma que aprendeu o ofício das plantas e da medicina natural com a mãe, “macumbeira de Igarapé-Miri”.

Simone diz que é a única dos três irmãos que realmente deve trilhar o mesmo caminho da mãe. “Ela foi a única dos meus três filhos que se interessou pelo meu trabalho. Filho de peixe tem que ser peixe também, né?”, indaga. Mas, para Sueli, o maior presente é perceber que o trabalho ali ainda vale a pena. “Eu gosto daquilo que faço. Não admito trabalhar com aquilo que não gosto”, conclui. “Quem dera se mais pessoas tivessem vontade de aprender sobre a nossa cultura”.

Por isso, como será o Ver-o-Peso daqui a três séculos não é possível prever, mas se depender de quem convive diariamente com aquele mundo particular, ele deve durar bem mais do que isso. “Ah, o Ver-o-Peso ainda vai durar muito tempo. Tem muita história para contar ainda. Não tem nada igual em nenhum lugar do mundo”, resume, em forma de elogio, Maria das Dores Pereira, 39 anos, sobre o que representa, para ela, a feira. (Diário do Pará)

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