Rinha de galo: paixão que resiste à ilegalidade

Foto: Tarso Sarraf

Rinha clandestina montada no fundo de um quintal de Belém

Banquiva tem apenas 11 meses, mas já vem sendo preparado para se tornar, quem sabe, um campeão. Tem exercícios quase que diários, toma banho de sol regularmente e recebe um cuidado todo especial na alimentação. Daqui a mais três meses começará a treinar para valer e, a partir de 18 meses, aí sim, todo seu preparo de linhagem boliviana será posto à prova. Banquiva é um galo de briga, ou de rinha, como é chamada a modalidade em que galos novos e fortes são postos para combater. Como um boxe, ou um vale-tudo. O animal, cujos antepassados vieram da Bolívia, é um dos cerca de 40 galos de rinha que Nelson (nome fictício) mantém no quintal da própria casa, numa das periferias de Belém.

“É uma paixão que vem desde os meus nove anos”, diz ele. Foi uma história meio por acaso. O menino ganhou uma galinha de uma tia. Pôs no quintal junto a outras e depois foi chamado para separar a ave que já se engalfinhava com todas as outras. “Fiquei alucinado quando vi. Não parei mais”, conta.

FORA-DA-LEI

É uma paixão considerada ilegal, no entanto. No Brasil, as brigas de galo estão proibidas desde 1934, com a edição do Decreto Federal 24.645, que proibia “realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes, touradas e simulacro de touradas, ainda mesmo em lugar privado”.

O presidente Jânio Quadros entrou para o anedotário popular nos anos 60 por tentar levar a lei ao extremo, como se um presidente não tivesse coisas mais importantes para lidar.

Há também o Decreto Lei 3.688/41 - Lei das Contravenções Penais (artigo 64), que diz que “tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo”. A Constituição Federal, no artigo 225 diz que é incumbência do poder público a responsabilidade de “proteger a fauna e a flora vedadas na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”.

Em 1998, a Lei de Crimes Ambientais fez com que a atividade deixasse de ser apenas contravenção penal para crime. Desde então, os “galistas”, denominação dada para os praticantes desta atividade, tentam alterar a legislação, descriminalizando as rinhas de galo e os rodeios.

É uma luta com poucas possibilidades de vitória, mas que abre margem para decisões contraditórias. Em agosto, o Ibama e a Polícia Federal fizeram uma grande operação e desbarataram rinhas de galos em Teresina, capital piauiense. Ao todo, 140 animais foram apreendidos num supercampeonato que duraria pelo menos cinco dias. O chefe da fiscalização do Ibama no Piauí justificou a ação, afirmando ser proibido maltratar e mutilar animais silvestres ou domésticos. Alguns dias depois, foi noticiado que os 140 galos seriam incinerados. E quem vai punir o Ibama e a Polícia Federal por essa decisão insólita? Brigar não pode, mas ser morto sim...



>> Galos em ação na periferia de Belém. Apesar da ilegalidade, rinhas seguem reunindo adeptos. Nas fotos, detalhes da preparação antes das lutas. (Fotos: Tarso Sarraf)

>> Lutas seguem a atrair apostadores, curiosos e criadores

“A natureza desses galos é de briga. Não tem jeito, você pode colocá-los em qualquer situação que eles irão brigar. É por isso que tem que colocá-los para treinar”, justifica Nelson. O treinamento é feito com proteção à cabeça e nas esporas do galo, para evitar ferimentos. A linhagem paraense é a dos galos Moura, uma raça agressiva por natureza. Tornou-se uma linhagem rara. “Hoje é raro encontrar. Está tudo misturado”, diz.

Os galos são mantidos num local que impossibilite que um veja o outro, se estiverem próximos. Quando isso acontece é confronto certo. “É um instinto. Eles têm que ficar de uma maneira que um não se aproxime do outro”.

A agressividade vem desde pequeno. Os pintos só podem ficar juntos até os sete meses. “Se passar disso, eles se matam de brigar”, diz o criador. E essa agressividade natural atrai apostadores, curiosos, apaixonados e criadores. Campeonatos são feitos na surdina. Envolvem políticos, juízes, empresários.

Com regras e juízes e uma nomenclatura especial para definir equipamentos de treino e golpes usados nas rinhas. Um combate é feito em tempos de 20 minutos, com intervalos de dez minutos para que os animais se refresquem. Depois são mais 20 minutos. Mais quinze de descanso e mais quinze de combate. Há nocautes ( o tuck), fugas e raras mortes. “Quando um juiz percebe que o galo está sem condições de reagir abre uma espécie de contagem”, explica Nelson.

“Em todo lugar tem rinha”, garante ele. Tem na capital e no interior do estado. Em Belém, o Mangueirão das disputas era na Boaventura. Vinha gente do Rio e de São Paulo trazendo seus galos para competir aqui. Os valores das apostas eram altos.

Em junho, o DIÁRIO noticiou que dois homens foram presos em flagrante no bairro da Pedreira, onde funcionava uma rinha de galo, em um local conhecido como “Rinha do Carlinhos Cuba”. Quarenta e cinco animais foram apreendidos. Só este ano, sessenta e nove animais já foram apreendidos nestas circunstâncias.

No criatório de Nelson há alguns destaques. Lombinho, por exemplo. Já participou de três rinhas. Ganhou todas. “Já me ofereceram R$ 1.500 por ele, mas não aceitei”, diz Nelson. Lombinho iria para uma disputa no Maranhão, mas se acidentou ao escapar de Nelson e se atirar na grade de um galo adversário. Machucou a pata. Se não puder mais competir, virará apenas um reprodutor. (Diária do Pará)

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