Ouviram (a fanfarra) do Ipiranga às margens plácidas…

por Jota Ninos (*)

Para mim, ato cívico tem a ver com cidadania. A própria palavra civismo remete à civilização, civilidade, civil = cidadão. Então, porque precisamos demonstrar nosso apreço pela Pátria marchando como soldados? Nunca entendi isso, sempre me rebelei contra isso.

Mas mudar certos paradigmas pode levar milênios. A construção de um ideário militar remonta de séculos pela luta no poder. As antigas civilizações comemoravam seus heróis assistindo a paradas militares de seus guerreiros, depois das vitórias nas frentes de batalha. Aí os norte-americanos resolveram incluir os estudantes nas grandes paradas. E nós fomos atrás imitando.

Escrevo sobre este assunto pela undécima vez, mas não somente para lamuriar. E sim vangloriar um passo pequeno que vale uma parada militar. Falo da decisão das autoridades educacionais de Santarém de desvincular o desfile dos estudantes da parada militar de 7 de setembro, como já acontece em outras cidades.

Já não basta obrigarmos nossas crianças e nossos jovens a fazer a ordem unida embaixo de um sol escaldante? Por que ainda tinham que desfilar no mesmo dia das forças militares? Quem sabe um dia descubramos uma outra forma de comemorar nossa independência que não seja batendo o pé em continência pelas ruas da cidade. Não acredito que cidadania se absorva com a disciplina militar.

O pior de tudo é que se comemora um ato isolado de um imperador português que não teve a participação popular. Nossa independência não foi conquistada com nenhuma guerra. Então, por que comemorar com paradas militares?

Não quero aqui menosprezar nossas forças militares. Mas não consigo ligar o ato de civismo com o “marcha soldado”. Infelizmente ainda vivemos num mundo em que as forças militares, de certa forma, são necessárias. Mas por que precisamos assistir às exibições de força e poder? Para que saibamos que existe alguém nos “protegendo”?

Hoje posso falar com liberdade e externar meu pensamento sobre o tema. Talvez há uns 30 anos estaria preso por escrever um texto como esse. Eles haviam tomado conta de nossa vida e reinavam truculentos. Felizmente conseguimos sair do marasmo da ditadura militar, mas com algum derramamento de sangue de ambas as partes.

Os militares deveriam existir mesmo para proteger nossas fronteiras e ajudar em períodos de calamidade pública. Hoje se vê que as forças militares do país estão sossegadas, pois, apesar de todos os infortúnios de nossa política com a corrupção grassando em todos os cantos do país, estamos tentando construir uma democracia. Não é fácil, mas um dia chegamos lá. Os militares não devem se arvorar em querer “consertar” os possíveis erros da política. Já mostraram que quando tentam fazer isso, só se derrama sangue.

Mesmo assim, de vez em quando há quem tenha saudade daqueles tempos. Mas acho que nem mesmo os novos militares pensam assim. Hoje, uma nova geração de homens destas forças mostram que sabem que seu lugar é estar onde o povo mais precisa deles. Conheço muitos militares, que apesar da rígida disciplina dos quartéis, tem um coração muito mais dócil que alguns civis.

Não sei se por isso nossos jornais locais de TV adoram fazer matérias sobre solenidades militares por qualquer motivo. Seja o aniversário de um batalhão, seja uma troca de comando, não há semana que as telinhas nos deixem de lembrar que eles existem. Simpatia ou um certo medo do passado? Não, nossos militares hoje estão mais próximos do cidadão.

Mas voltando ao civismo da Semana da Pátria: crianças e jovens vão continuar marchando no chamado Dia da Raça e outros dias da semana. O dia 7 de setembro será um dia para vermos nossas forças militares com todo o garbo, acalentando sonhos de garotos que veem na farda a ascensão social e de meninas que sonham em conviver mais perto com o estereótipo da virilidade. Militar ainda é um ícone análogo ao do príncipe encantado para algumas moçoilas…

E falando em independência, alguém sabe que feriado temos hoje no Estado do Pará? Pois é, o 15 de agosto é o dia em que o Pará aderiu à independência proclamada por Dom Pedro I, em 1823, ou seja, um ano depois do resto do país. E isso aconteceu com grande participação popular contra a tirania portuguesa que continuou mandando na Província do Grão-Pará e Maranhão, em contato direto com nossos colonizadores. E essa participação popular, de certa forma, acabou gerando um outro movimento que se tornou a maior revolta popular brasileira: a Cabanagem.

Mas isso nossas escolas esquecem de levar a seus alunos. O importante é botar as crianças marchando como soldados pelas ruas, atormentando nossos ouvidos com fanfarras (e fanfarrões), que adoram disputar certames para ver quem faz mais barulho! É bem verdade que já há uma evolução (ops!) nesse quesito e alguns músicos andam buscando uma sonoridade das fanfarras que se distancie cada vez mais do ritmo marcial.

Para concluir, parece que começamos a querer ser metrópole, com o desmembramento dos desfiles. É um pequeno avanço, se levarmos em conta a adoração reinante pelo exibicionismo bélico que sempre fez parte de nossa cultura.

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* É jornalista (e poeta) santareno.

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