Tapajós, Carajás: organização do espaço amazônico, coisa muito mais antiga do que se imagina



É chocante ouvir certos políticos e jornalistas dizerem que as aspirações por uma reorganização territorial da Amazônia, e mais especificamente, as idéias de criação dos Estados do Tapajós e Carajás, são coisa "antigas, vêm desde a década de 1950". Ignoram a história dessa pendência, aliás, são avessos ao estudo da história como se o mundo existisse apenas de ontem para hoje. Ignoram que os fatos passados têm forte determinação nos fatos presentes.

Essas demandas vêm quase desde o momento da ocupação da Amazônia, em virtude da óbvia extensão geográfia desta imensa região. A proposta que segue foi feita quando a língua portuguesa quase não era falada na Amazônia, a maioria da população era indígena e o Português era falado pelos poucos portugueses que aqui viviam.

Leia o trecho que segue, revelando dados de pesquisa realizada pelo grande historiador amazonense, Ferreira Reis:

Nos anos 1700, em data não especificada pelo pesquisador, o cronista português João de Moura idealizou uma ampla organização territorial da Amazônia de então, com a instalação de estabelecimentos militares e aldeamentos em sítios estratégicos, sugerindo a divisão do espaço amazônico em províncias, subdivididas em comarcas, onde seriam instaladas famílias de colonos juntamente com índios.

Naquele século, a organização das unidades territoriais idealizadas por João de Moura previa as seguintes unidades: Província de Corupatuba, Província dos Tapajós, Província dos Tupinambaranas, Província dos Cambebas, Província dos Rombos, Província dos Icaguates e Província dos Quijos. Porém, a idéia de repetir na região a experiência das capitanias fez malograr o plano do cronista.

Ferreira Reis encontrou essas informações nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro, no Códice 9, rubricado como Maranhão e Grão-Pará, Documentos vários, da seção de manuscritos daquele Instituto. Isto acha-se publicado num dos muitos livros de Ferreira Reis, sob o título "Território do Amapá: perfil histórico", publicado no Rio de Janeiro pelo Departamento de Imprensa Nacional em 1949.

Mas idéias de estabelecer, no Brasil independente, novos limites territoriais internos e uma divisão político-administrativa diferente daquela existente no período colonial vêm da Assembléia Constituinte de 1823. Todavia, a Constituição daí resultante, ao criar, em 1824, as primeiras 19 províncias, na prática manteve a configuração geopolítica oriunda do tempo das capitanias.

Quarenta e seis anos mais tarde, Tavares Bastos referia-se aos “erros da Constituição” em “dividir o Brasil em províncias politicamente iguais, com as mesmas instituições e a mesma representação”, não tendo o constituinte brasileiro seguido “o sábio exemplo da União Americana” onde os “territórios do deserto” tinham administração local designada pelo poder central, embora não dispusessem de representação no Congresso até que, “povoando-se e prosperando”, adquirissem condições de autonomia.

Após a Independência, embora não tenha sido o primeiro, o projeto do historiador Varnhagen foi o mais abrangente até então, sugerindo uma ampla reorganização geopolítica do território nacional. O estudo é um dos capítulos do opúsculo Memorial Orgânico, que à consideração das assembléias geral e provinciais apresenta um brasileiro, publicado em 1849. Diz Varnhagen:

Todos sabemos, mais ou menos, as origens das províncias, e todos temos olhos para ver em qualquer mapa as suas desigualdades, isto é, a monstruosidade de umas e a quase nulidade de outras. ... As províncias do sertão foram se criando à medida que se iam descobrindo mais minas de ouro e era necessário pôr autoridade para a cobrança dos quintos ou para proteger uma nova casa da moeda. Depois da Independência, por vergonha nossa, quase que não se tem pensado a respeito de tão necessária divisão do território.

Em 1865, por exemplo, Luiz Agassiz, observa que
A delimitação atual das Províncias do Pará e do Amazonas é inteiramente contrária à natureza. Todo o vale está dividido transversalmente em duas partes, de modo que a metade inferior fatalmente se opõe ao livre desenvolvimento da metade superior; o Pará (a cidade de Belém) tornou-se o centro de todas as atividades e drena, por assim dizer, toda a região sem vivificar o interior: o grande rio, que deveria ser uma enorme estrada interprovincial, tornou-se um curso d’água local, poder-se-ia dizer.
Agassiz sugere, a exemplo do Mississipi, que o rio Amazonas sirva de limite a diversas províncias autônomas situadas em suas margens. E traça uma proposta: na vertente meridional, criar-se-ia a Província de Tefé, indo da fronteira do Peru ao Madeira; deste rio ao Xingu, a Província de Santarém; e que a Província do Pará se reduzisse ao território compreendido entre a do Xingu e o mar, acrescentando-se-lhe a Ilha do Marajó, pelo que essas unidades seriam atravessadas por grandes cursos d’água. Para as zonas situadas ao norte criar-se-iam as Províncias de Monte Alegre, indo do oceano até o rio Trombetas; a de Manaus, entre o Trombetas e o Negro, e talvez a de Japurá, compreendendo a região entre o Negro e o Solimões.
Agassiz faz a comparação com os Estados Unidos pela óbvia razão de possuírem os dois países extensos territórios, e também pelas diferenças de evolução histórica entre ambos, no tocante à ocupação de seus espaços. O autor acredita que a decadência das cidades resulta da excessiva centralização das decisões:
... Quem quer que haja estudado bem o funcionamento do atual sistema do Vale do Amazonas deve estar convencido de que, longe de progredirem, todas as cidades fundadas de um século para cá ao longo do grande rio e de seus tributários, caem em decadência e em ruína. É, sem contestação possível, o resultado da centralização, no Pará (na cidade de Belém), de toda a atividade real da região inteira.

Como se percebe, a estrutura político-administrativa da Amazônia foi percebida há séculos, sem que o governo central tenha levado a sério a formulação de uma estrutura orgânica e funcional, seguindo o curso da natureza e das necessidades políticas e econômicas.
Assim, as demandas atuais do Tapajós e do Carajás poderiam inserir-se num debate nacional sobre o território, com vistas a modernizar a sua ocupação e dinamizar todos os recantos deste imenso país tremendamente concetrado em São Paulo e adjacências relativamente desenvolvidas.
Enormemente prejudicial ao País é a diferença existente entre suas regiões, seus Estados e municípios. Isto sim, é fator de desunião e um perigo para o futuro.
Fonte: Blog do Manuel Dutra

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